terça-feira, 18 de maio de 2010

Como preparar o jovem pós-moderno para a vida religiosa?

Frei Bruno Varriano
Frei Bruno Varriano

"Quando falamos de doação total e 'para sempre' na vida religiosa existe muito medo"

Nesta semana o portal cancaonova.com traz até você uma entrevista sobre o desafio da formação do jovens que abraçam a vida consagrada nos tempos atuais. Frei Bruno Varriano, responsável pelas vocações franciscanas na Terra Santa, psicoterapeuta, atuante na formação inicial dos jovens que sentem o chamado ao carisma franciscano, esteve recentemente visitando as instalações da Comunidade Canção Nova e falou conosco sobre este tema.

No áudio abaixo você confere na íntegra esta entrevista



cancaonova.com: Como descobrir uma vocação tão específica como a da vida consagrada?



Frei Bruno: Bem, para falar de consagração nós precisamos falar de tipos de corações. Todos nós somos amados por Deus, temos vocação à vida e a ser cristãos, mas o tipo de coração, o modo de responder a este amor é que se torna diferente.

Quando um jovem sente no coração um desejo de plenitude que não encontra em outro lugar, ele encontra em Deus, num modo de vida totalmente consagrado, um modo de vida de entrega e doação aos outros. Isso não quer dizer que os outros modos de vida não sejam de entrega ao Senhor, mas quando o jovem sente essa inquietação de entrega total, já é uma pergunta para iniciar o processo de discernimento vocacional.



cancaonova.com: E neste mundo pós-moderno, quais os desafios de formar os jovens que responderam a esta inquietação e que agora se encontram num modo de vida de princípios e regras próprios da vida religiosa?


Frei Bruno: Penso que o primeiro desafio é justamente o próprio jovem que vem de uma sociedade relativista, uma sociedade no qual o amor ágape (que é o amor-doação) não é tanto valorizado, os jovens já não vêm com uma integridade, não sabem regular o tempo; por exemplo, chegam à vida religiosa na qual existe tempo para tudo: tempo para oração, tempo para a vida comunitária, tempo para os estudos, para a formação, para o trabalho manual, por essa razão, saber regular o tempo é um dos desafios. As regras não são para oprimir, mas sim, para ajudar o religioso a viver a sua vida concretamente. Eu penso que isso seja uma das coisas mais difíceis para os jovens de hoje. Na minha casa de formação na Itália, por exemplo, os jovens têm 30 minutos para usar a internet, ou seja, em 30 minutos eles têm de pensar em tudo o que vão escrever num e-mail, etc., mas quando chegam, a realidade em que viviam era de ficar 6 a 7 horas por dia conectados na rede mundial de computadores e até tarde da noite. Então, os jovens devem se adequar a esta nova realidade de vida religiosa, de regulação do tempo, de uma vida comunitária, que é o maior desafio para eles no dia de hoje.

"Ser franciscano na Terra Santa é uma vocação na vocação"
Foto: Wesley Almeida


cancaonova.com: O senhor é o responsável de receber estes jovens que não aprenderam a administrar o tempo, que não aprenderam a fazer bem cada coisa. Qual a forma que é usada para fazer com que eles entrem na pedagogia da vida consagrada?


Frei Bruno: A primeira coisa é que este jovem se sinta acolhido e amado. Esta é a pedagogia: que ele se sinta acolhido, esperado e escolhido por Deus, mas também por nós (formadores); é uma atenção especial. A partir daí se inicia um caminho de confiança, ou seja, eu confio neste jovem que chegou – e este é um trabalho que eu devo fazer comigo mesmo. Eu digo aos jovens que chegam para ser em um "frade menos" porque o “frade menor” já está dentro deles, o que nós formadores temos de fazer é deixar o ambiente equilibrado, graduado, - e aí é preciso muita paciência de nossa parte – dessa forma vamos acompanhando o formando e a cada quinze dias há um atendimento pessoal para ver como ele está caminhando, pois o formador pode ter mil coisas a fazer, mas a atenção ao formando é a coisa mais importante, ou seja, depois de Deus, da vida de oração, o formando é a prioridade da minha vida. É dessa forma que eles se sentem escolhidos e acolhidos: quando o formador tem tempo para eles, porque muitos destes jovens não tiveram esta atenção em suas famílias, o pai e a mãe não tinham tempo para eles. Depois, a grande comunidade é chamada a envolvê-lo, dando a ele uma responsabilidade, como cuidar da sacristia, cuidar do acolhimento dos hóspedes, para que se sintam em família. Dessa forma já vão sendo formados e passam para outra etapa formativa de forma mais tranquila.


cancaonova.com: O jovem de hoje apresenta certa dificuldade em assumir compromissos definitivos. Em sua opinião qual a raiz disso?

Frei Bruno: Hoje o mundo vive a mentalidade do “descartável”, tudo é descartável, dessa forma a ideia do "para sempre" causa muito medo, ou seja, é uma mentalidade de que as coisas durarão pouco e este pensamento chega ao convento e à vida religiosa. Quando falamos de doação total e para sempre existe muito medo. Eu penso que essa mentalidade é fruto de uma sociedade consumista, a sociedade do descartável, na qual as pessoas vivem como voluntárias, ou seja, se doam por pouco tempo. No entanto, o mundo não pode viver de modo descartável, a família, por exemplo, depende de algo duradouro, até mesmo para a saúde mental dos filhos. E também a Igreja precisa de “pais” em plenitude e para sempre. Na vida religiosa não devemos ter medo da palavra "para sempre". Não é que com isso vamos "abaixar a montanha", mas vamos ajudar a subi-la. Não significa abaixar os valores da vida religiosa, porque o valor da vida religiosa é o compromisso para sempre.


cancaonova.com: Como é o trabalho dos franciscanos na Terra Santa?

Frei Bruno: O trabalho dos franciscanos é inter-religioso, com os muçulmanos e judeus, com a custódia dos lugares santos, são 56 santuários que os franciscanos precisam zelar, preparar hóstias para as celebrações, guiar os peregrinos que vão à Terra Santa; temos também os trabalhos com os pobres. E quem quer ser missionário na Terra de Jesus precisa ter esta abertura missionária, porque são apenas 2% de cristãos, e estes 2% precisam ser bem cuidados pelos frades.


cancaonova.com: O jovem que agora acompanha esta entrevista e sente o chamado de ser franciscano na Terra Santa, quais os passos que ele precisa dar tomar para esta vocação?

Frei Bruno: Primeiro, ele deve viver uma autêntica vida cristã na sua paróquia, porque o essencial e que vem em primeiro lugar é uma vida com Cristo. Depois ele deve ter um contato conosco, por e-mail, por carta, por telefone, e neste tempo eu tento visitar, durante um ano, grupos que já tenham sido formados, e depois ele precisa fazer uma experiência com a vida comunitária, é o “Vinde e vede” como nós vivemos, o concreto da nossa vida. É interessante dizer que ser franciscano na Terra Santa é uma vocação na vocação, pois São Francisco, quando escreveu num dos parágrafos da regra franciscana sobre a Terra Santa, disse que nós seríamos como “ovelhas no meio de lobos” e nós sabemos que a ovelha não se defende, ela é humilde. Francisco não queria que os frades fizessem discussões de religião, é um “silentio operandi”: um silêncio operador, aquele que testemunha com a vida. Isso é algo muito belo e eu o comparo ao deserto. O deserto de Judá, por exemplo, é muito belo, mas, ao meio-dia, fica nele só quem o ama, pois há pessoas que o acham bonito, mas não conseguem suportar o calor do meio-dia. Na Terra Santa, quando todos os peregrinos vão embora do lindo deserto, os frades ficam no "deserto" da solidão, de estar longe da família, no "deserto" de aprender outra língua e se há um momento de guerra os peregrinos vão logo embora, mas os franciscanos ficam num santuário dois, três, seis meses, ou até um ano, até que a guerra termine e os peregrinos voltem. Então, para ser missionário na Terra Santa é preciso passar a amar o "deserto".

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