quarta-feira, 21 de abril de 2010

Íntegra: Palavras de Bento XVI nas exéquias do Cardeal Špidlík

vatican.va

Venerados Irmãos,
ilustres Senhoras e Senhores,
queridos irmãos e irmãs!

Entre as últimas palavras proferidas pelo saudoso Cardeal Špidlík encontram-se estas: "Durante toda a minha vida procurei o rosto de Jesus, e agora estou feliz e sereno porque estou a caminho de vê-lo". Este pensamento maravilhoso - tão simples, quase infantil na sua expressão, mas tão profundo e verdadeiro - remete imediatamente à oração de Jesus, que ressoou a pouco no início do Evangelho: "Pai, quero que, onde eu estou, estejam comigo aqueles que me deste, para que vejam a minha glória que me concedeste, porque me amaste antes da criação do mundo" (Jo 17, 24). É bonito e reconfortante meditar esta correspondência entre o desejo do homem, que aspira a ver o rosto do Senhor, e o desejo do próprio Jesus. Na realidade, aquela de Cristo é bem mais do que uma aspiração: é uma vontade. Jesus diz ao Pai: "quero que, onde eu estou, estejam comigo aqueles que me deste". É precisamente aqui, nesta vontade, que encontramos a "rocha", o fundamento sólido para crer e esperar. A vontade de Jesus, de fato, coincide com aquela de Deus Pai, e com a obra do Espírito Santo constitui para o homem uma espécie de "abraço" seguro, forte e doce, que o conduz à vida eterna.

Que imenso dom escutar essa vontade de Deus da sua própria boca! penso que os grandes homens de fé vivem imersos nesta graça, têm o dom de perceber com particular força essa verdade, e, assim, podem atravessar também duras provas, como as atravessou o Padre Tomáš Špidlík, sem perder a confiança, e conservando também um vivo senso de humor, que é certamente um sinal de inteligência, mas também de liberdade interior. Sobre esta questão, era evidente a semelhança entre o nosso saudoso Cardeal e o Venerável João Paulo II: ambos eram levados para o espirituoso e o divertido, mesmo tento tido, na juventude, vivências pessoais difíceis e, em certos aspectos, similares. A Providência os fez encontrar e colaborar para o bem da Igreja, especialmente para que ela aprendesse a respirar plenamente "com os seus dois pulmões", como amava dizer o Papa eslavo.

Essa liberdade e presença de espírito tem o seu fundamento objetivo na Ressurreição de Cristo. Apraz-me sublinhá-lo, porque nos encontramos no tempo litúrgico pascal e porque o sugerem a primeira e a segunda leitura bíblica desta celebração. Em seu primeiro sermão, no dia de Pentecostes, São Pedro, cheio do Espírito Santo, anuncia o cumprimento em Jesus Cristo do Salmo 16. É incrível perceber como o Espírito Santo revela aos Apóstolos toda a beleza daquelas palavras na plena luz interior da Ressurreição: "Contemplo o Senhor diante de mim, / ele está à minha direita, para que eu não vacile. / Por isso se alegra o meu coração e exulta a minha língua, / e também a minha carne repousará na esperança" (At 2, 25-26; Sl 16/15, 8-9). Esta oração encontra um cumprimento superabundante quando Cristo, o Santo de Deus, não é abandonado nos infernos. Ele conheceu por primeiro "os caminhos da vida" e foi cheio de alegria na presença do Pai (cf. At 2, 27-28; Sl 16/15, 11). A esperança e a alegria de Cristo Ressuscitado são também a esperança e a alegria de seus amigos, graças à ação do Espírito Santo. O demonstrava habitualmente Padre Špidlík com o seu modo de viver, e este seu testemunho tornava-se sempre mais eloquente com o passar dos anos, porque, apesar de sua idade avançada e as fraquezas inevitáveis, o seu espírito permanecia fresco e jovial. O que é isso se não amizade com o Senhor ressuscitado?

Na segunda leitura, São Pedro bendiz Deus que "na sua grande misericórdia nos regenerou, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma esperança viva". Ele acrescenta: "Por isso, sede cheios de alegria, também se deveis ser, por algum tempo, afligidos de várias provas" (1 Pd 1, 3.6). Também aqui emerge claramente como a esperança e a alegria são realidades teologais que emanam do mistério da Ressurreição de Cristo e do dom do seu Espírito. Poderíamos dizer que o Espírito Santo as colocou no coração do Cristo Ressuscitado e as infunde nos corações de seus amigos.

Deliberadamente introduzi a imagem do "coração", porque, como muitos de vós sabeis, Padre Špidlík a escolheu como o mote de seu brasão cardinalício: "Ex todo corde", "com todo o meu coração". Essa expressão está no livro de Deuteronômio, no primeiro e fundamental mandamento da lei, lá onde Moisés diz ao povo: "Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças" (Dt 6, 4-5). "Com todo o coração - ex toto corde" refere-se, portanto, à maneira pela qual Israel deve amar o seu Deus. Jesus confirma o primado deste mandamento, ao qual combina o amor ao próximo, afirmando que esse é "similar" ao primeiro, e que de ambos depende toda a lei e os profetas (cf. Mt 22, 37-39). Ao escolher esse lema, o nosso venerado irmão colocava, por assim dizer, a sua vida dentro do mandamento do amor, a inscrevia toda no primado de Deus e do amor.

Há um outro aspecto, um significado ulterior da expressão "ex toto corde", que seguramente Padre Špidlík tinha presente e queria manifestar com seu lema. Sempre a partir de raízes bíblicas, o símbolo do coração representa, na espiritualidade oriental, a sede da oração, do encontro entre Deus e o homem, mas também com os outros homens e com o cosmos. E aqui é preciso recordar que no brasão do Cardeal Špidlík o coração, que está no escudo, contém uma cruz em cujos braços se cruzam as palavras PHOS e ZOE, "Luz" e "Vida", que são nomes de Deus. Então, o homem que acolhe plenamente, "ex toto corde", o amor de Deus, recebe a luz e a vida e, por sua vez, torna-se luz e vida no universo e na humanidade.

Mas quem é este homem? Quem é este "coração" do mundo, se não Jesus Cristo? É Ele a Luz e a Vida, porque "habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Col 2, 9). E aqui apraz-me recordar que o nosso defunto Irmão foi um membro da Companhia de Jesus, isto é, filho espiritual daquele Santo Inácio que coloca ao centro da fé e da espiritualidade a contemplação de Deus no mistério de Cristo. Neste símbolo do coração encontram-se o Oriente e o Ocidente, em um sentido não devocionístico, mas profundamente cristológico, como o realçaram outros teólogos jesuítas do século passado. E Cristo, figura central da Revelação, é também o princípio formal da arte cristã, uma área que tinha no Padre Špidlík um grande mestre, inspirador de ideias e projetos expressivos, que encontraram uma síntese importante na Capela Redemptoris Mater, no Palácio Apostólico.

Desejo concluir retornando ao tema da Ressurreição, citando um texto muito amado pelo Cardeal Špidlík, uma passagem dos Hinos sobre a Ressurreição de santo Éfrem, o Sírio:

"Do alto Ele desceu como Senhor
do ventre surgiu como um servo,
a morte ajoelhou-se diante dele no inferno,
e a vida o adorou na sua ressurreição.
Bendita a sua vitória" (n. 1, 8). ù.

A Virgem Mãe de Deus acompanha a alma do nosso venerado Irmão no abraço da Santíssima Trindade, onde "com todo o coração" louvará eternamente o seu infinito Amor. Amém.

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